A pedido da Confederação dos Trabalhadores da Saúde, processo sobre direito de abortar deve ser novamente debatido em setembro
Relatado pelo ministro Marco Aurélio, processo renderá debates acalorados no plenário do Supremo
Relatado pelo ministro Marco Aurélio, processo renderá debates acalorados no plenário do Supremo
A ação que discute se a mulher tem ou não direito a interromper a gravidez em caso de fetos anencéfalos (sem cérebro) deve voltar ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro. O relator, Marco Aurélio Mello, pedirá que o processo seja incluído em pauta logo após a retomada dos trabalhos da Suprema Corte. Esse será o primeiro passo para, finalmente, dar um ponto final à polêmica, que se arrasta há cinco anos.
O tema divide opiniões entre especialistas, religiosos e até mesmo entre os integrantes do próprio Supremo. Por isso, os debates em plenário prometem ser acalorados.A discussão é semelhante à das pesquisas com células-tronco embrionárias. O que os ministros terão que decidir é se uma gestação poderá ser interrompida em caso de anencefalia, comprovada por exames médicos, sem que isso implique um crime. A ação foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Atualmente, vale o que diz o Código Penal, de 1940: uma mulher tem direito a abortar somente em caso de estupro ou perigo de morte da mãe.
O assunto voltou à tona esta semana, depois que a procuradora-geral da República em exercício, Deborah Duprat, enviou ao STF um parecer favorável ao aborto de anencéfalos — como antecipou o Correio. No texto, encaminhado ao tribunal na última segunda-feira, ela sustentou que proibir a interrupção da gestação fere princípios constitucionais como o direito à liberdade, à privacidade e à autonomia reprodutiva, além de violar o princípio da dignidade humana e o direito à saúde.
Deborah sustentou que antecipar o parto, nesse caso, “constitui exercício de direito fundamental da gestante”.“Não se está afirmando que as mulheres devem ser obrigadas a interromper a gestação nessa hipótese. O que se está sustentando é que a escolha sobre o que fazer, nesta difícil situação, tem de competir à gestante, que deve julgar de acordo com os seus valores e a sua consciência, e não ao Estado. A este, cabe apenas garantir os meios materiais necessários para que a vontade livre da mulher possa ser cumprida, num ou noutro sentido”, declarou a procuradora-geral em exercício, no parecer.
A atitude animou entidades que apoiam o fim da gravidez quando for constatada a doença. A Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR), que promove os direitos reprodutivos, divulgou nota aplaudindo a iniciativa. “Espera-se que o parecer sensibilize a opinião pública e, em particular, a todos os ministros do Supremo Tribunal Federal”, cita o texto.
Diretora-executiva da CCR, a especialista em saúde e direitos reprodutivos Margareth Arilha disse que o parecer foi um passo importante para que o Brasil saia do conjunto de países que ainda mantêm “restrições medievais” às mulheres que têm de levar adiante uma gestação, mesmo sabendo que o bebê não terá condições de sobreviver. “Vemos com bons olhos a possibilidade de o STF ser portador dessa nova conquista para as mulheres. As mudanças sobre os direitos reprodutivos das mulheres vêm acontecendo em vários países do mundo, inclusive na América Latina. É preciso que o Brasil siga adiante”, disse.
O ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles tem opinião diferente. Quando estava à frente do cargo, em agosto de 2004, ele apresentou um parecer contra o pedido. Alegou violação do direito à vida. “A grande tese é que a vida humana vai durar pouco. A minha contra-argumentação é que se a vida é inviolável, não posso autorizar que se mate uma vida por uma questão de tempo. Se a vida durar 30 segundos, 30 minutos, três dias ou três meses, ela tem que existir. É um argumento jurídico e não religioso”, contrapôs. Fonteles foi autor da ação que pedia o fim das pesquisas com células-tronco embrionárias.»
A discussão sobre a interrupção de gravidez no caso de fetos anencéfalos chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2004 por meio de uma ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). No processo, assinado pelo advogado Luís Roberto Barroso, a entidade questiona dispositivos do Código Penal que criminalizam o aborto, exceto nos casos de estupro e risco à vida da gestante.
Relator da matéria, Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar (decisão provisória) permitindo o fim da gestação. No entanto, a liminar foi revogada pelos demais ministros em outubro. Na ocasião, eles mantiveram apenas a parte da decisão que determina a paralisação de todos os processos que discutem o tema até que o STF se pronuncie em definitivo.O tema é polêmico e semelhante ao que trata do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, em que o cerne da questão é o princípio da dignidade humana. Diante das opiniões divergentes, ambos foram temas de audiências públicas feitas pelo Supremo — iniciativa inédita desde então. No caso das células-tronco, o tribunal já se manifestou: liberou as pesquisas em maio de 2008.
fonte:Correio Brasiliense
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