Desde que a internet chegou ao Brasil em 1988 por iniciativa de comunidades acadêmicas de São Paulo e do Rio de Janeiro, muita água rolou em relação à tecnologia e ao tipo de uso que as pessoas fazem dela. O que não mudou é o encantamento que a web ainda provoca nas primeiras conexões. Esse encantamento, entretanto, pode se transformar em uma obsessão e fazer com que a pessoa não consiga viver sem internet. Assim é a história do produtor de vídeos Felipe Augusto Goes Miranda, 29, que mora em São Carlos, interior de São Paulo. Desde criança, ele passava muitas horas em frente ao computador e não se interessava por quase nada da vida "real". "Cresci e continuei assim. Não procurava emprego e só aceitava os que tivessem acesso à internet. Cheguei a ser demitido por causa do uso de internet, pois trabalhei onde era proibido acessar a rede e fui denunciado por colegas de trabalho", conta. Não só a vida profissional foi afetada. Felipe deixava de sair com amigos para ficar conversando com colegas virtuais. "Acordava com a internet ligada, dormia com a internet ligada, almoçava em frente ao computador. Até o dia em que percebi que nada mais na web me interessava. Eu navegava e acabava voltando no mesmo site. Vi que estava perdendo tempo e resolvi, então, me controlar", relata. O esforço pessoal também teve ajuda das circunstâncias. Ele teve que mudar de cidade e morar com parentes na capital paulista, e aí sua rotina mudou. "Nessa fase, cheguei a ir a lan houses algumas vezes por semana, mas não muito. Hoje uso a internet para trabalhar e fazer minhas pesquisas, sem exageros".
Diagnóstico.
O limite entre o normal e o doentio nem sempre parece claro. Para a chefe do serviço de psiquiatria da Santa Casa do Rio de Janeiro, Fátima Vasconcelos, que coordena um trabalho de atendimento a compulsivos em diversas áreas - drogas, jogo, compras, álcool etc -, uma das evidências é quando a pessoa começa a esquecer compromissos pessoais e profissionais por causa de sua compulsão. "Os compulsivos se isolam para viver o seu vício. Dizem que já estão chegando e não aparecem", conta. Segundo a psiquiatra, pessoas já morreram por causa do excesso. "Na Coreia do Sul, dez pessoas morreram em cybercafés de infarto, após três dias sentados na frente do computador. Há os que usam até fraldão para não terem que ir ao banheiro", revela. PrecursorInício. No Brasil, um dos primeiros trabalhos sobre compulsão por internet foi o do psicólogo paulista Oliver Zancul Prado, em 1998. O acesso à web ainda era discado, e as pessoas conversavam por chats.
O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC/USP) desenvolve o programa Dependência de Internet, que já atendeu cerca de 200 pacientes de todas as idades desde 2006. Para identificar se uma pessoa é compulsiva realmente, Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do programa e doutor em psicologia, trabalha a partir de um diagnóstico desenvolvido pela pesquisadora norte-americana Kimberly Young, com quem vai até lançar em breve o livro “Manual Clínico da Dependência em Internet”.
O diagnóstico está organizado em 20 perguntas e pode ser feito no site do programa: http://www.blogger.com/www.dependenciadeinternet.com.br.. Uma das descobertas que surpreenderam Nabuco foi o fato de os internautas compulsivos preferirem os sites das redes de relacionamento. “Quando comecei a fazer o atendimento, pensei que o que os prendia à web eram os sites de sexo. De toda forma, mesmo os que procuram sexo estão no fundo buscando relacionamento”, afirma. No fundo da dependência pela internet, segundo Nabuco, estariam a depressão, a fobia social, o transtorno bipolar, entre outros distúrbios. No HC/USP, o atendimento aos dependentes é feito em grupos, divididos entre adultos e adolescentes, uma vez por semana e dura 18 meses. Quando tinha 16 anos, Bruno Young Coelho, 31, era viciado em internet. Todos os dias ele passava a noite inteira conectado em redes de relacionamento, conversando com amigos. “Hoje estou casado e com filho, então não há mais tempo para essas loucuras”, fala. Mas nem todos conseguem se curar sozinhos. Há pessoas que não reconhecem que estão compulsivas e, muitas vezes, é a família quem pede socorro. Essa era a experiência vivida na clínica do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP, até que a coordenadora da clínica, a psicóloga Rosa Maria Farah resolveu tentar a orientação desses “fujões” por e-mail. “Recebi, inicialmente, críticas, dizendo que era como se eu oferecesse um aperitivo a um alcoólatra, mas os resultados foram positivos. Atendemos, desde 2006, cerca de 40 casos por ano, de todo o Brasil, e a maioria deles foi até o fim do atendimento”. A conversa ocorre uma vez por semana, e a orientação dura de seis a oito semanas.
O e-mail para atendimento é: nppi@pucsp.br.
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Publicado em: 28/02/2010 - Jornal online - O TEMPO
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