Desconhecimento sobre o uso do misoprostol é profundo
Na última Reunião Técnico-Científica sobre o Aborto Medicamentoso no Brasil, promovida pela
CCR – Comissão de Cidadania e Reprodução nos dias 15 e 16 de outubro, a perplexidade diante
dos problemas trazidos à tona evidenciou o profundo desconhecimento da maior parte dos
presentes, incluindo os profissionais da saúde, sobre a situação do uso do misoprostol no Brasil e
no mundo. Reconhecer a gravidade das informações divulgadas na reunião e enfrentar a
ineficiência da comunicação e articulação dos diversos atores envolvidos na questão são os
primeiros passos para a mudança de um quadro moldado a restrições.
É evidente o descompasso entre a ANVISA e as áreas técnicas do Ministério da Saúde e, no
mínimo, suspeita a inflexibilidade da agência quanto às limitações do acesso ao misoprostol e à
divulgação de informação sobre o Prostokos, mesmo nos hospitais cadastrados para o uso do
medicamento. A suspensão da publicidade dos medicamentos à base de misoprostol fez desaparecer dos estabelecimentos de saúde folhetos de orientação dirigidos ao pessoal médico, deixando muitos profissionais sem suporte, e outras fontes de informação, como pesquisas e manuais publicados por ONGs e associações de especialistas, passaram a ser acionadas.
É neste contexto que aparece um dos grandes absurdos da situação do uso do misoprostol no
Brasil: as pesquisas realizadas sobre o uso gineco-obstétrico do medicamento foram e são
realizadas, na sua grande maioria, a partir do Cytotec. A Flasog – Federação Latinoamericana de
Sociedades de Obstetrícia e Ginecologia, por exemplo, publicou e distribuiu um manual sobre o
uso do misoprostol, mas as dosagens e vias de administração do medicamento não se referiam ao
Prostokos, e sim ao Cytotec. O resultado é desastroso: como o produto registrado na ANVISA, e,
portanto, disponível nas farmácias hospitalares, é o Prostokos, o erro nas dosagens e vias de
utilização do medicamento não é raro, e profissionais e pacientes ficam, muitas vezes sem saber,
expostos aos riscos de abortos incompletos e malformações fetais, entre outros.
O esforço dos movimentos sociais e grupos progressistas em divulgar o manual da Flasog e em
prestar serviço de apoio a mulheres em casos de aborto se esvai com o desconhecimento quase
absoluto de questões como essa. Há falha de comunicação entre atores políticos no não compartilhamento deste tipo de informação. Além disso, boa parte da população, dos profissionais de saúde e até dos profissionais envolvidos nos movimentos a favor dos direitos sexuais e reprodutivos, desinformada por uma mídia que cobre mal o tema, pouco parece saber da discussão corrente sobre o direito ao aborto, quanto mais da situação do uso do misoprostol no Brasil e no mundo. A surpresa e a indignação com que foram ouvidas as apresentações da reunião sobre o aborto medicamentoso no Brasil, tanto quanto as informações, muitas e graves, deixaram isso explícito.
Em meio ao debate, a falta aparente de comunicação e articulação entre os diversos atores
progressistas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos no país surge como uma nova questão.
Se há uma crescente pressão política de grupos religiosos e conservadores, talvez seja por uma
habilidade de mobilização e articulação que parece estar faltando às ações dos grupos interessados em promover políticas não-restritivas. Novas estratégias precisam ser adotadas para que o cenário se torne mais progressista às próprias mulheres.
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Fonte:CCR
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