segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Reconhecimento dos Direitos das Mulheres como Direitos Humanos



A Constituição Federal de 1988 significou um marco em relação aos direitos humanos das mulheres e ao reconhecimento de sua cidadania plena. Isso foi conseqüência, principalmente, da articulação das próprias mulheres com ações direcionadas para o Congresso Nacional, apresentando emendas populares e organizando mobilizações que tiveram como resultado a inclusão da igualdade de direitos sob uma perspectiva étnico-racial e de gênero.

A Constituição, como documento jurídico e político das cidadãs e dos cidadãos, buscou romper com um sistema legal fortemente discriminatório contra as mulheres. Contribuiu para que o Brasil se integrasse ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos, reivindicação histórica da sociedade.

Dois tratados internacionais assinados e ratificados pelo estado brasileiro referem-se especificamente à promoção e defesa dos direitos das mulheres:

- Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, e
- Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

Tais tratados, além de criarem obrigações para o Brasil perante a comunidade internacional, também originam obrigações no âmbito nacional e geram novos di-reitos para as mulheres que passam a contar com a instância internacional de decisão, quando todos os recursos disponíveis no nosso país falharem na realização da justiça. Isto significa que é possível, portanto, pedir auxílio e denunciar práticas de violência contra a mulher à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Viena abre alas...

Em Viena (Áustria), no ano de 1993, durante a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, o movimento de mulheres levantou a bandeira de luta "Os Di-reitos das Mulheres também são Direitos Humanos". Conquistou assim avanços significativos com a inclusão na Declaração e Programa de Ação de Viena de que "os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral dos direitos humanos universais".

Foi a primeira vez que se reconheceu em um foro internacional os direitos das mulheres como direitos humanos. Em decorrência do Programa de Ação adotado em Viena, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 48/104, de 20 de dezembro de 1993, que contém a Declaração sobre a Violência contra a Mulher, tema que, até então, não contava com nenhum documento específico no mundo. Esse documento serviu de base para a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, e foi precursor ao definir a violência de gênero, englobando a violência física, sexual e psicológica ocorrida no âmbito público ou privado. No ano seguinte, em 1994, a Comissão de Direitos Humanos da ONU designou uma relatora especial para monitorar a violência contra a mulher em todo o mundo.

A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing (Pequim) na China, de 4 a 15 de setembro de 1995 reconheceu definitivamente os direitos da mulher como direitos humanos em sua Declaração e Plataforma de Ação.

Tais conquistas foram renovadas por ocasião do aniversário de cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1998.

Uma legislação nacional é preciso

A violência praticada contra a mulher é um dado inquestionável da realidade mundial e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher reconhece expressamente em sua parte inicial que as mulheres estão sujeitas a ela sem distinção de raça, religião, idade ou qualquer outra condição.

O sistema de proteção dos direitos humanos, as abordagens inovadoras apresentadas pela Constituição Federal de 1988 e os avanços dados por uma interpretação legal e política que busque considerar a eqüidade de gênero, étnico-racial e social propiciam a efetividade dos direitos humanos e da cidadania das mulheres.

A violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica e pode ocorrer no espaço público ou privado. No Brasil não existe legislação es-pecífica que ampare de maneira abrangente o combate à violência praticada contra a mulher inclusive a violência doméstica. Dessa forma, utiliza-se o Código Penal, que é um conjunto de leis que não levou em conta a situação específica da violência contra a mulher. Atualmente há projetos de lei que trazem algumas alterações progressistas na legislação criminal. Vale a pena citar o Projeto de Lei n.º 117/03, da deputada Iara Bernardi, que suprime a expressão "mulher honesta" dos artigos 216 e 231 do Código Penal. No mesmo projeto a deputada propõe a alteração do artigo 129 do mesmo Código, introduzindo o crime de violência doméstica.

A violência contra a mulher é qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada (art. 1º da Convenção de Belém do Pará). A Convenção reconhece expressamente que a violência é um fenômeno que afeta todas as esferas da vida da mulher: família, escola, trabalho, saúde e comunidade.

Esta definição aumenta ainda mais sua importância ao preocupar-se com a violência na esfera privada, isto é, a violência doméstica, pois os agressores das mulheres geralmente são parentes ou pessoas próximas. A violação dos direitos humanos das mulheres, ainda que ocorra no âmbito da família ou da unidade doméstica, diz respeito à toda sociedade, inclusive ao poder público.

A violência doméstica não é uma "questão menor" ou apenas de ordem privada. Segundo Leila Linhares, o indivíduo, ao agredir ou matar sua mulher, "porque ela deixou de fazer a comida, não chegou cedo em casa, enfim, resolveu desobedecê-lo, está difundindo um modelo perigoso à ordem pública. A pouca importância dada aos crimes cometidos no espaço doméstico pode levar ao entendimento de que existe uma lei privada, uma lei interna às famílias que permite que pais castiguem filhos até à brutalidade e que maridos e companheiros castiguem suas mulheres porque elas não corresponderam ao papel de esposas ou de mães tradicionais".

A mulher é costumeiramente penalizada em dobro no âmbito das relações domésticas: quando se trata do reconhecimento e da valorização do trabalho doméstico, este se torna invisível e desprestigiado, porém, quando se trata da violência ocorrida dentro desse mesmo espaço, imediatamente surgem as vozes em defesa desse espaço "sagrado", "indevassável" por quem quer que seja.

Convenção de Belém do Pará

A Convenção de Belém do Pará estatui que a mulher está protegida pelos demais direitos previstos em todos os instrumentos regionais e internacionais re-lativos aos direitos humanos, mencionando expressamente o direito a que se res-peite sua vida, integridade física, mental e moral; direito à liberdade e à segurança pessoais; o direito a não ser submetida à tortura; o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e a que se proteja sua família; o direito a igual proteção perante a lei e da lei; o direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem os seus direitos; o direito de livre associação; o direito de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e o direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões.

Essa Convenção entende que a violência contra a mulher impede e anula o exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, de forma que, paralelamente à violência física, sexual e psicológica, ocorreria uma violação daqueles direitos. Daí a gravidade da violência contra a mulher, que é capaz de lesar, simultaneamente, vários bens jurídicos protegidos.

A Convenção confere ao Estado responsabilidades na missão de proteger a mulher da violência no âmbito privado e público. Os Estados têm de tomar medidas para prevenir a violência, investigar diligentemente qualquer violação, perseguindo a responsabilização dos violadores, e assegurar a existência de recursos adequados e efetivos para a devida compensação às violações.

A Convenção adotou a sistemática de deveres exigíveis de imediato e de deveres exigíveis progressivamente. Os últimos assumem a feição de medidas programáticas a serem adotadas paulatinamente e referem-se em sua maior parte a medidas educativas, principalmente preventivas, destinadas a evitar a violência contra a mulher. É importante ressaltar que tais direitos, sejam de natureza imediata ou progressiva, devem ser concomitantemente aplicados.

Para a avaliação da sua implementação nos Estados, estes devem enviar relatórios para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com informações sobre as medidas adotadas, bem como sobre as dificuldades que observaram na sua aplicação e os fatores que contribuem para a violência contra a mulher. Qualquer pessoa ou grupo, ou qualquer entidade não-governamental juridicamente reconhecida em um ou mais dos Estados-membros da OEA também pode apresentar à Comissão queixas e denúncias sobre a sua não aplicação ou violação.

No entanto, é recomendável que tenham sido esgotados os recursos internos do país antes que seja enviado o caso para aquela Comissão. É necessário mostrar que o Estado aqui de maneira negligente ou incompetente.

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