Os estudos mais básicos de geografia urbana são suficientes para compreender como se constrói o espaço interno das cidades. Para saber quem de fato manda no processo, quem determina e orienta como, quando e para onde as metrópoles devem crescer.
Os agentes sociais que conduzem a produção do espaço urbano são o grande capital - representado pelos donos dos meios de produção, pelos proprietários de terras nas cidades e pelas grandes construtoras - e o Estado - que raramente age de forma neutra em seu papel de regulação do uso do espaço e de provedor de infraestrutura, quase sempre favorecendo a reprodução do grande capital. Ou seja, é aos grupos socialmente mais representativos que pertence a primazia de orientar a produção do espaço das cidades em geral, cabendo ao povo apenas o papel segui-los enquanto massa, excluídos do poder de decisão.
A política urbana da cidade do Rio de Janeiro, desde o final do século XIX, foi baseada no "higienismo" que, em seu aspecto social, determinou o desmonte de cortiços, a demolição de morros e a consequente expulsão de seus habitantes - pobres, operários e excluídos - para as áreas de menor interesse para o capital imobiliário. Condição sine qua non para a valorização das áreas nobres cobiçadas pelos especuladores. Inicia-se a favelização da cidade, como reflexo da tentativa do operário de manter-se próximo ao local de trabalho.
Multiplicam-se, então, as favelas - cidades informais dentro da cidade formal. Ambiente propício à proliferação de todas as formas de ilegalidade. Fazer o que? Há luz? Água? Esgoto? Educação? Saúde? Não! Para as coisas de casa, com a esperteza que só tem quem está cansado de apanhar, encontra-se um jeito. Mas sem escola ninguém aprende. E sem saúde o povo morre. Preso na miséria da favela. Mas nem tão livre do açoite na senzala, como achou o poeta. A senzala de hoje é o trem na estação de Madureira.
O problema que descortina-se diante do regulador do espaço impõe uma tomada de posição, uma escolha: ou o Estado formaliza o espaço ilegal ou luta contra ele. Do higienismo aos dias atuais ficou claro que o regulador do espaço optou pela repressão. O Favela-Bairro acabou funcionando como uma forma de combate à informalidade travestida de ação inclusiva. Lobo Mau com cara de Vovozinha. A microfísica do poder determinou que se deve vigiar e punir os pobres, os condenados da cidade.
Então o Estado equipa-se com aparatos de repressão à ilegalidade ao som dos aplausos do grande capital. Mas na favela, os estalos são outros. Foguetes e morteiros anunciam o início de mais uma batalha dessa guerra farta em esquizofrenia. Pois as redes ilegais da violência nos morros alimentam-se da corrupção dos bonecos do Estado, as marionetes mal pagas do jogo da guerra.
A classe média, que se submete a empenhar durante décadas grande parte do seu dinheiro ganho com o suor da lida do dia-a-dia, pra ter o direito de viver - e morrer - num caixote, cercada de grades e vigiada noite e dia, é tão vítima quanto os que nem isso puderam prover para si. É ela que engorda as fortunas do grande capital. Mas, de tão estúpida e reacionária, não se dá conta disso. E exige do Estado a barbárie. A mais violenta forma de repressão. Caveira, meu capitão! Caveira!
Agora o Estado vestiu, por cima da farda preta, a camisa verde da mata atlântica pra defender a construção de muros que estabeleçam "ecolimites" à expansão das favelas na cidade. Uma ideia incoerente. A classe média, estúpida e reacionária, quer mais. Exige a remoção das que já existem.
A incoerência é simples e proposital. Se fosse pra ser coerente, o Estado também deveria construir muros, fazer remoções e estabelecer ecolimites nos manguezais da Barra da Tijuca. Mas aí o patrão não deixa. Fica bravo. E o Estado corre o risco de ser demitido. Sem justa causa.
Um comentário:
Obrigado, Gabriela, por reproduzir aqui as palavras que registrei no Geografias Suburbanas. É importante que mais pessoas tenham acesso a ideias que não saem nos jornais e revistas de grande circulação. E você contribuiu para isso. Obrigado, mesmo!
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