quinta-feira, 25 de junho de 2009

Opinião:

"Nos últimos dias fomos avisados de que, neste ano, o planeta terá mais de um bilhão de famintos. Culpa-se a crise.
Apesar de a fonte ser a FAO, agência da ONU que trata de agricultura e alimentação de forma capenga, a informação deve proceder.
Há um ano, em Roma, na Cúpula de Segurança Alimentar, já se anunciava o aumento no número de pessoas subnutridas, aquelas que ingerem menos de 1.800 calorias/dia. Os estimados 800 milhões de famintos de 1996, que até 2015 deveriam cair para a metade, proposta da UNCTAD para o milênio, já estavam em 850 milhões.
Sem surpresa. Afinal, nada de efetivo fora feito para que isso não ocorresse. Vou mais longe: quais mesas fartas do capitalismo financeiro mundial entenderão a aritmética que faz um bilhão de famintos parecerem um sofrimento maior do que o de 850 milhões?
Análises da ONU, preguiçosamente divulgadas pela mídia, de que essa proporção vinha caindo, "resultado dos projetos contra a pobreza e do crescimento nos últimos anos de economias como Índia, China e Brasil", escondem serem esses fatos pontuais e autóctones, promoções de um período de crescimento econômico generalizado.
Nenhum subsídio foi cortado, não houve eliminação de barreiras comerciais, as populações rurais pobres de África, Ásia, América Latina, continuaram impedidas de produzir por não poderem pagar os preços dos insumos cartelizados, não se ampliaram os recursos de agências que combatem a fome, e os preços dos alimentos, sob movimentos especulativos, alcançaram recordes históricos.
Fácil culpar a crise quando se olha para esse lado do muro.
Olhando-se para o outro lado, espreitam-nos ameaças de retrocesso nas novas leis de preservação ambiental e, em troca de favores políticos imediatos e desenvolvimentismo suicida, compromete-se o tesouro de nosso futuro.
Em artigo para a Folha de 20/06, o respeitado ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, faz árduo exercício contorcionista para não se posicionar, mas se posiciona, sobre o assunto: "entidades de classe de produtores rurais apresentaram ao Congresso Nacional um conjunto de ideias mudando conceitos e propondo a criação de um Código Ambiental, mais amplo, cuja premissa básica seria o desmatamento zero no bioma Amazônia".
Tudo indica que o "mais amplo" e o "zero" não foram captados pela senadora Marina Silva (PT-AC), que voltou da Noruega ainda mais preocupada.
A verdade é que estamos diante de duas catástrofes - a fome e a destruição ambiental - que não admitem "muros" extensos e populosos como os que estão dividindo a questão.
É preciso ter claro que fome, subnutrição, flagelo, não se extinguem apenas com produção e comercialização em larga escala, na levada dos requintados "moldes empresariais e tecnológicos".
Para esse um bilhão de pessoas, é importante, melhor, vital, comer. Mesmo que sua produção não passe pelas Bolsas de Chicago ou Nova Iorque.
Se governos e organizações que respondem por políticas agrícolas de produção interna ou do comércio internacional não são competentes, ou se mostram desinteressadas em harmonizar produção e consumo de populações famintas, que se invista em programas locais de subsistência por mais ultrapassado que isso possa parecer.
Retrocesso? Não é não. Por acaso o agronegócio e o mafuá liberal do sistema financeiro foram capazes de, até aqui, resolver o problema?
Comenta-se que os países desenvolvidos, que contribuem para o Programa Alimentar Mundial da ONU, agência de combate à fome, estão cortando suas ajudas "devido à recessão".
Sacrossanta crise!"

Por:Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.

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