quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Depoimento:Crack - Um avanço indiscriminado

"Olá, amigos leitores!
Primeiramente gostaria de me desculpar pela pequena ausência ao blog. Estive um pouco ocupado por esses dias, colocando a vida em ordem. Afinal de contas, não basta apenas deixar o crack, é preciso consertar alguns estragos que ficaram, não todos porque alguns não vão poder nunca ser consertados. Mas é isso aí, olhar adiante e seguir em frente, consciente dos erros passados, mas agora buscando me superar a cada dia. E claro, viver sem o crack. Também agradeço as inúmeras postagens e apoio que tenho recebido, tem sido muito importante na minha recuperação.
Completam-se hoje 38 dias desde a útltima vez que usei crack, não foi fácil, mas foi muito possível. Como ja contei em minha história, não procurei tratamento ou ajuda médica já que para isso, como eu já não tinha dinheiro algum, toda minha família saberia e apesar de todo apoio, que com certeza ganharia, seria muito doloroso. Mas eu tinha a certeza que cabia a mim sair daquela situação. Decidi que hora de parar, ja que eu ainda estava vivo, e de uma vez por todas dei um basta. Tem funcionado bem, mas claro que não é tão simples assim, precisa ter muita vontade, muita mesmo! Uma motivação interior muito forte.
Afim de buscar um pleno conhecimento sobre a situação brasileira com relação ao crack, ja que essa parte era até então ignorada por mim, tenho lido muito, buscando para assim escrever da melhor forma possível. E o que posso dizer a todos é que tenho me decepcionado muito. Há excelentes autores falando sobre o assunto em matérias realmente muito boas, mas o que me choca é o tamanho avanço que essa droga conseguiu. Eu achava que sabia muito bem sobre a situação do crack com relação a classe média, os danos socias causados pela droga e tudo mais, besteira! Eu não sabia nada.
A epidemia do crack, que foi iniciada em São Paulo na década de 80 destinada somente aos pobres, se espalhou definitivamente por quase todo o país. Quase todos porque nosso extremo norte parece ainda estar livre, não há relatos de apreensões significativas de crack no Amazonas. O fato é que deliberadamente a droga avançou país afora e conseguiu conquistar a classe média de forma assustadora. Uma classe aparentemente bem formada, esclarecida e que desde o começo parece ter ignorado essa droga e o seu poder de destruição principalmente por a considerarem como a droga do pobre, do favelado e que seus filhos, matriculados em boas escolas, nunca seriam atingidos. As consequências agora estão aí, batendo a porta. Pior cego é aquele que não quer ver, é a mais pura verdade.
Em quase todos os estados, a quantidade de apreensões de crack tem se multiplicado esmagadoramente. Alguns estados confirmaram um crescimento de até 10 vezes na quantidade apreendia nos últimos 5 anos. As clínicas de recuperação tiveram um aumento de cerca de 80% nas internações devido ao crack, clínicas essas particulares, de alto custo e antes procuradas na maioria por usuários de cocaína. Hoje a maioria são viciados em crack. Pelo menos a classe média ainda pode bancar o tratamento, que é caro e ineficiente na maioria dos casos. O poder de destruição do crack é tão grande, que na verdade, não há recuperação plena. Uma vez usuário, sua vida muda e a partir daí é necessário que haja um controle constante, algumas restrições. Não pode mais sujeitar-se a menor tentação que seja ou tudo pode voltar ao começo e as recaídas são sempre piores. Sei bem disso, por experiência própria.
Sempre leio que o perfil do usuário de crack mudou, não concordo. Acho que o crack é que ganhou um novo perfil de usuário, porque na verdade, analisando bem, todos terminarão miseráveis da mesma forma. Assim, no final, o perfil acaba sendo praticamente o mesmo. A diferença passa a estar apenas no que o usuário foi antes da droga. Esse é o maior problema do crack. Independente de quem seja o usuário e de seu poder aquisitivo o efeito da droga é o mesmo. Claro que na classe média os danos sociais parecem ser muito maiores, ha a impressão de que se tem muito mais a perder. Bons filhos, bons alunos, futuros excelentes profissionais, pouco importa. Tudo isso se vai com a chegada do crack e restarão apenas futuros mendigos.
Gostaria aqui de citar o trecho de um excelente texto de "Rubens Filho" falando um pouco sobre as drogas e as campanhas de prevenção, que recomendo a todos sua leitura
"O que faz a droga? Ela permite momentos de fuga do "mundo real". Instantes de alívio justificáveis num país e num planeta que respondem aos problemas humanos com eficácia infinitamente menor do que os produz. Não é nada fácil para um jovem encarar a vida com otimismo num país com os problemas do nosso. O que dizer do planeta?, assolado pela destruição da natureza, pelo aquecimento global, pelo retorno da ameaça nuclear, pela epidemia de Aids...
Crianças e jovens consumindo drogas são o retrato de inúmeras falências políticas, econômicas, sociais, diplomáticas. São também uma expressão da crise de valores, inclusive dos meios de comunicação (os mesmos que promovem campanhas samaritanas), habituados a difundir, por exemplo, o esgoto de um Big Brother Brasil como modelo de comportamento para garotas e garotos.
Outra falha conceitual dessas campanhas é creditar a violência ao consumo de droga. Essa associação direta, além da carência de base científica, apenas reproduz um preconceito moral; afinal, mesmo que seja paradoxal, costuma-se igualmente creditar a indolência da juventude ao uso de drogas.
No fundo, essa relação droga-violência é um subterfúgio do poder público e da sociedade, pelo qual lavam as mãos diante de sua parcela de responsabilidade pela violência, obviamente motivada por outros tantos fatores muito mais sérios e complexos. Nesse cenário, a droga aparece como sintoma, não como causa."
Rubens também cita algo muito importante e que concordo plenamente, com total conhecimento de causa, que é a ineficiências das campanhas publicitárias de prevenção e combate e vê o refúgio nas drogas, no fundo, como nada mais sendo do que um depoimento de insatisfação com a realidade que nos cerca. Mas por que então nos refugiarmos ao invés de lutarmos para mudar essa realidade que nos cerca? Nos jovens podemos associar o uso de drogas à busca por novas emoções, aventuras, mas e nos já experientes adultos, o que podemos dizer? Na maioria podemos dizer o vício em drogas vem desde o tempo de jovem. Isso talvez explique o nível de degradação da nossa sociedade, que não é de agora, mas que vem desde muito tempo atras se evoluindo, fruto de um descaso geral.
Outro estudo muito interessante, que também recomendo, chamado "Seqüência de drogas consumidas por usuários de crack e fatores interferentes" (http://www.scielo.br/pdf/rsp/v36n4/11760.pdf), nos mostra que independente da classe, idade ou escolaridade todos os usuário de crack começaram com o álcool e cigarro. Pra quem sempre acho que por serem legais eram drogas amenas, ta aí! Eu sempre defendi a idéia de que tudo começa no álcool e cigarro, não na maconha, que é apenas pré cursor da ilegalidade e bem menos prejudicial socialmente que o álcool.
De fato, nossa situação é grave. Não podemos mais ignorar o crack ou mesmo considerar que estamos imunes, isso é ilusão. O crack está aí, e tem cada vez mais adeptos na classe média e está começando a atingir os ricos. Um exemplo disso nos foi mostrado ha pouco tempo atrás, uma mãe matar seu filho viciado em crack para poder se defender, uma família de classe média alta destruída pela droga. Isso nos mostra o poder que o crack tem. Não é algo com o qual podemos dormir despreocupados porque nunca nos atingirá. Qualquer pessoa está sujeita, é inegável.
É hora de repensar nossos conceitos e agir de maneira eficiente, não adianta apenas por a culpa no governo e sentarmos esperando que tudo se resolva. Precisamos agir, educar bem nossos filhos, impor limites, regras, dar orientação certa além de muito diálogo. É besteira dizer sempre que drogas são ruins, elas não são, suas consequências sim são devastadoras, mas os efeitos são incríveis, eu sei bem. O preço que se paga é que é muito alto, as vezes custa até a própria vida. É um jogo no qual é impossível ganhar. Não se preocupem em mudar o mundo e livrar todos os viciados, curar todos e tal. Cuide muito bem apenas daqueles que estão bem próximos a você. Conheço bem a história de um policia Militar, do DENARC, que lutou por mais de 20 anos de carreira contra o crack e perdeu seu filho para a droga. Cuidem dos que estão próximos, todos fazendo isso, certamente um dia resolveremos o problema pois atingiremos todos.
Quanto aos que ja se encontram afundados no crack, como eu estava, apenas confirmo que sem muita vontade e determinação por parte do usuário não há tratamento que funcione. Só com muita força de vontade e dedicação é possível superar qualquer vício. Mas só essa força de vontade, por si só, nem sempre é suficiente. O apoio e amor da família são fundamentais, além da busca por uma motivação que desperte a vontade de deixar o vício. Em primeiro lugar, não temos que curar a dependência física da droga, e sim a psicológica. Essa sim é fundamental pois sua mente comanda seu corpo. Foi isso que eu fiz e tem funcionado muito bem, sei que qualquer um também pode."
Texto retirado do espaço:http://cracknuncamais.blogspot.com/
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Comentário:Vencedor,as lágrimas vieram quando li sua força de vontade e luta diária.Todos os meus pensamentos positivos a você.
Um grande abraço carinhoso no seu coração
Gabriela

3 comentários:

Mariana disse...

Gabriela, descobri o teu blog e confesso foi muito bom.
Vi aqui uma pessoa forte,de coragem e que merece o reconhecimento e apoio de todos.
Tenhas apartir de hoje mais uma amiga.
Sou do RS e a empresa de comunicações daqui do sul lançou a a Campanha Crack Nem Pensar (http://zerohora.clicrbs.com.br/especial/rs/cracknempensar/home,0,3710,Capa.html).No Rs e SC a camapnha está a mil e o retorno tem sido positivo.
Parabéns por acreditar e fazer algo pela mudança.Isto é possível e precisa muito de pessoas q te amam ao teu redor.
Gostie muito do teu blog.
Voltarei.
Um abraço com carinho e afeto.

Mariana disse...

www.craknempensar.com.br

Anônimo disse...

O crack virou um culpado perfeito para os roubos e violencias. Sou usuário a 15 anos, larguei por 2 anos e agora faço uso novamente. Vou largar novamente para me focar em alguns projetos. O usuário que rouba, não rouba porque usa crack, ele rouba porque tem má indole. Nunca roubei nada e sempre trabalhei. A televisão, pra ganhar audiência, faz sensacionalismo em cima de usuários de crack e a sociedade destruiu a dignidade deles. A falta de respeito com o usuário ensinada em telejornais, se repetem em casa com a mãe, pai, esposa e outros. Não existe ainda, uma droga pior que o alcool para destruir lares, amizades e pessoas. O alcool faz a mulher apanhar, o motorista atropelar e o amigo matar o outro no bar. Uma pessoa bebada não tem consiência alguma do que esta fazendo por varias horas. Eu nao bebo, somente uso o crack, pois o crack me deixa conciente e o alcool não. Ja bebi, larguei quando por volta de 8 anos, hoje não suporto uma pessoa sob efeito do alcool ao meu lado.
O crack ajuda o governo a esconder as desgraças que o álcool traz pra sociedade. Ajuda também, as emissoras, pois não precisam mostrar pra sociedade o mal que o álcool faz pra sociedade, assim preservam seus mega clientes. A sociedade sem opnião formada, se deixa acreditar que o câncer do mundo é o crack e trata os usuários, independente quem seja, como o pior bicho do mundo. Pessoas, como a minha mãe, reproduz com fieldade o tratamento que alguns telejornais tem com os usuários. Com tanta discriminação ensinada pela televisão, as pessoas se acham no direito também, aliás, acabam vendo com uma postura normal. E é por isto que muitos saem de casa e vão pra rua. Embora eu não queira mais aceitar isto, não irei pra rua, vou me reoganizar financeiramente e viver bem longe de quem não me respeita.