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Na riquíssima mitologia grega, Medusa era uma górgona com o aspecto de uma bela mulher, mas que possuía serpentes no lugar dos cabelos e transformava em pedra quem olhasse diretamente nos seus olhos. Ficou assim porque foi amaldiçoada pela poderosa Atena, pois ousou competir em beleza com essa deusa. Era ao mesmo tempo encantadora e maldita, sedutora e fatal. Seu fascínio inicial era quase impossível de resistir, mas nunca propiciava o prazer prometido; antes, acabava por desgraçar aqueles que ousavam encará-la. Exatamente como o crack.
Não há como negar que o fascínio das drogas existe, ou não estaríamos em meio a esta guerra contra a pior praga que assombra nossa sociedade desde meados dos anos 80. Sim, já se passaram mais de 20 anos e o crack só faz destruir mais e mais vidas, sejam de pessoas totalmente dependentes, sejam de todos os que, direta e indiretamente, com elas vivem e convivem.
Sabe-se que são várias as razões pelas quais uma pessoa se aproxima de uma droga ilícita. O próprio fato de algo ser tabu já é motivo que atrai muitos. Não há como negar que o proibido, o escuso, o secreto sempre fascinaram a mente do homem, único animal do planeta que desenvolveu uma sociedade complexa justamente porque tem na curiosidade uma de suas maiores aliadas. Sem curiosidade, não há o impulso da experimentação; sem experimentação, não há a descoberta; sem a descoberta, não há a mudança; sem a mudança, não há o desenvolvimento, o passo à frente, o aperfeiçoamento.
Mas a curiosidade que leva às drogas ilícitas é, geralmente, destruidora. O crack é hoje, após o curto período de duas décadas, um dos maiores desagregadores de famílias que conhecemos. É a causa subjacente de muitos tipos de crimes, especialmente nas camadas mais carentes de nossos grupamentos sociais. É justamente essa gente que já sofria as agruras do preconceito, da destituição material, da carência afetiva, da baixíssima autoestima que agora padece do que se assemelha a uma pandemia de grandes proporções e de altíssimo nível de mortalidade.
E o pior de tudo é que não estamos preparados para o crack. Não temos estatísticas confiáveis nem educadores com preparo técnico para dar início à prevenção nas escolas; não temos uma política de educação de massa que seja realmente eficaz nem meios reais de reprimir o comércio e o consumo; não temos instituições suficientes nem pessoal qualificado para o tratamento dos que já se encontram na mais completa dependência. Não temos quase nada. E o crack, exatamente por isso, avança.
Uma vez sob o domínio da dependência, tudo vira pedra. Bens pessoais viram pedra; relações pessoais e profissionais se arruínam, viram pedra; valores familiares se esboroam, viram pedra. Tudo é vivido e experienciado sob o prisma da próxima pedra. O tempo de uma vida passa a ser contado em vista da próxima pedra a ser fumada. Podemos dizer até que os corações também ficam empedernidos, insensíveis a quaisquer sentimentos ou emoções que não envolvam a insaciável fome de pedra. Uma vez agrilhoados pela necessidade irreprimível da próxima pedra, esses filhos de Medusa não conseguem se libertar, nem têm em nossas instituições o necessário aparato de apoio para que voltem a ser humanos como um dia foram, capazes de vislumbrar um presente e um futuro possíveis.
Um dia, talvez, olharemos para trás e teremos uma visão melhor do que passamos hoje. Quem sabe a sociedade, já livre do terror do crack, balance a cabeça tristemente e pense nas palavras de Drummond: “No meio do caminho tinha uma pedra; tinha uma pedra no meio do caminho...”
Escrito por:
Tony Saad/Linguista e professor
Gabriela Ferreira/Assistente social Não há como negar que o fascínio das drogas existe, ou não estaríamos em meio a esta guerra contra a pior praga que assombra nossa sociedade desde meados dos anos 80. Sim, já se passaram mais de 20 anos e o crack só faz destruir mais e mais vidas, sejam de pessoas totalmente dependentes, sejam de todos os que, direta e indiretamente, com elas vivem e convivem.
Sabe-se que são várias as razões pelas quais uma pessoa se aproxima de uma droga ilícita. O próprio fato de algo ser tabu já é motivo que atrai muitos. Não há como negar que o proibido, o escuso, o secreto sempre fascinaram a mente do homem, único animal do planeta que desenvolveu uma sociedade complexa justamente porque tem na curiosidade uma de suas maiores aliadas. Sem curiosidade, não há o impulso da experimentação; sem experimentação, não há a descoberta; sem a descoberta, não há a mudança; sem a mudança, não há o desenvolvimento, o passo à frente, o aperfeiçoamento.
Mas a curiosidade que leva às drogas ilícitas é, geralmente, destruidora. O crack é hoje, após o curto período de duas décadas, um dos maiores desagregadores de famílias que conhecemos. É a causa subjacente de muitos tipos de crimes, especialmente nas camadas mais carentes de nossos grupamentos sociais. É justamente essa gente que já sofria as agruras do preconceito, da destituição material, da carência afetiva, da baixíssima autoestima que agora padece do que se assemelha a uma pandemia de grandes proporções e de altíssimo nível de mortalidade.
E o pior de tudo é que não estamos preparados para o crack. Não temos estatísticas confiáveis nem educadores com preparo técnico para dar início à prevenção nas escolas; não temos uma política de educação de massa que seja realmente eficaz nem meios reais de reprimir o comércio e o consumo; não temos instituições suficientes nem pessoal qualificado para o tratamento dos que já se encontram na mais completa dependência. Não temos quase nada. E o crack, exatamente por isso, avança.
Uma vez sob o domínio da dependência, tudo vira pedra. Bens pessoais viram pedra; relações pessoais e profissionais se arruínam, viram pedra; valores familiares se esboroam, viram pedra. Tudo é vivido e experienciado sob o prisma da próxima pedra. O tempo de uma vida passa a ser contado em vista da próxima pedra a ser fumada. Podemos dizer até que os corações também ficam empedernidos, insensíveis a quaisquer sentimentos ou emoções que não envolvam a insaciável fome de pedra. Uma vez agrilhoados pela necessidade irreprimível da próxima pedra, esses filhos de Medusa não conseguem se libertar, nem têm em nossas instituições o necessário aparato de apoio para que voltem a ser humanos como um dia foram, capazes de vislumbrar um presente e um futuro possíveis.
Um dia, talvez, olharemos para trás e teremos uma visão melhor do que passamos hoje. Quem sabe a sociedade, já livre do terror do crack, balance a cabeça tristemente e pense nas palavras de Drummond: “No meio do caminho tinha uma pedra; tinha uma pedra no meio do caminho...”
Escrito por:
Tony Saad/Linguista e professor
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