quinta-feira, 30 de julho de 2009

Opinião:Argumentos jurídicos sobre casos de anencefalia

Revista de Saúde Sexual e Reprodutiva de Ipas Brasil Julho 2009

Colocação de Martín Hevia, da Universidade Torcuato di Tella de Buenos Aires, Argentina durante o Seminário internacional sobre abortamento: Anencefalia e mal formação fetal, realizado em Porto Alegre no dia 4 de junho de 2009. Por Alessandra Foelkel

Na mesa sobre os argumentos jurídicos, Martín Hevia, da Universidade Torcuato di Tella, de Buenos Aires, Argentina, comenta sobre uma investigação que fez em conjunto com Rebecca Cook, Bernard Dickens (Faculdade de Medicina e Bioética de Toronto) e Joanna Erdman (Faculdade de Direito de Toronto). Esse estudo constitui uma série de argumentos jurídicos sobre casos de anencefalia no mundo. Na América Latina, é exposto, em particular, o caso de KL, no Peru, que abriu preceitos internacionais de julgamento, bem como casos na Argentina (onde o plenário já desenvolveu meios de resolver tais julgamentos) e no Brasil (onde as respostas argumentativas em termos jurídicos são menos claras).
Recentemente, esse tema tem sido mais discutido e constitui um desafio jurídico, principalmente na América do Sul e particularmente na Argentina e no Brasil.
KL vs. Peru foi o primeiro caso de anencefalia a ser julgado por um comitê das Nações Unidas. O Comitê de Direitos Humanos condenou o país à reparação de KL pelas violações e torturas sofridas (trato cruel, desumano e degradante) por ela - na época com 17 anos e grávida de um feto anencéfalo. A burocracia e o atraso no julgamento colocavam em risco sua saúde pela gravidez de risco. KL teve que dar à luz e amamentar o recém nascido pelos poucos dias de vida deste. Com o ocorrido, KL ficou abalada psicologicamente e sofreu depressão. Apesar do diagnóstico adiantado de que KL teria propensão a ter problemas de saúde física e mental devido a gravidez problemática, o diretor do hospital não consentiu o pedido de interrupção da gestação, o que gerou a entrada do caso no sistema jurídico.
Na Argentina e no Brasil, as mulheres muitas vezes têm que entrar com um pedido judicial para interromper a gravidez de anencéfalos. Nos últimos anos, na Argentina, houve grande repercussão na mídia por causa de decisões judiciais tomadas recentemente pela Suprema Corte da Argentina, dentro do Código Penal para aborto nos casos específicos de anencefalia. Em 2001, a Suprema Corte Argentina determinou que, ao induzir um parto prematuro de um feto diagnosticado anencéfalo, isto é, naturalmente condenado à morte, isso não constituiria ofensa penal com relação às leis referentes ao aborto. De acordo com essa determinação, o feto não teria interesse em uma gestação prolongada e morreria na hora do parto por causa de sua patologia e não por maneiras letais.
Assim sendo, a maioria dos integrantes da Suprema Corte Argentina determinou que a antecipação do parto, nesses casos, se desse após as 28 semanas de gestação. A determinação do prazo de 28 semanas é para o caso de estar produzindo uma vida, mesmo que não viável, e ser classificado como “parto antecipado”. Esse tipo de argumentação reflete o parâmetro de questões a serem respondidas pela Suprema Corte: 1) Há vida? 2) Direito Penal (se há vida - como protegemos?) e 3) "Princípio de Reserva Legal", que implica que o que não está previsto está permitido. No caso da Argentina, foi seguido o caminho do "Sim, existe vida extra-uterina viável após 28 semanas".
Uma parcela argumentativa da Suprema Corte Argentina se deu pelas importantes evidências apresentadas de que a gestação prolongada de casos de anencefalia poderia implicar em riscos à saúde física e mental das mulheres. A maioria dos juízes considerou que obrigar a mulher a uma gestação desse tipo e dar à luz a uma criança com esse problema seria considerada uma tortura. Essa percepção reflete a mesma decisão tomada no caso KL vs Peru, anteriormente discutido.
Apesar desses julgamentos serem normalmente controversos na Argentina, ao menos são mais claros, no aspecto jurídico, do que no Brasil, onde os dilemas pessoais e morais ainda tomam conta do plenário. O Código Penal Brasileiro não inclui a malformação fetal como uma das razões permitidas no caso do aborto previsto em lei, apesar de já haver, desde 1989, cerca de 3 mil casos de autorização para pedidos judiciais de interrupção da gestação decorrentes de anencefalia perante a corte brasileira.
O debate tem sido mais intenso nos últimos anos nesses casos, devido ao oferecimento do serviço de ultrasom nos serviços públicos de saúde, como parte dos exames de pré-natal oferecidos desde 1990. A anencefalia é normalmente detectada através do ultrasom após as 12 semanas de gestação. Como na Argentina, houve um caso no Brasil conhecido como Leandra, no qual o tribunal observa "... quando o feto é incompatível com a vida, não há afronta aos valores da vida, protegida pela Constituição e pelo Código Penal". Além disso, tribunais têm mencionado a Constituição Brasileira com evidências de "preservar a vida da mulher e a dignidade desta" para aprovar a autorização do pedido de interrupção da gestação nesses casos. Mais além, as cortes brasileiras encontraram suporte na preservação da saúde física e mental da mulher dentro do Código Penal, que prevê o aborto para preservar a vida da mulher quando há risco a esta devido a gestação. Muitas vezes, porém, o Código Penal Brasileiro é interpretado de maneira restritiva, reforçando o direito à vida, desde a concepção, mesmo quando, comprovadamente, o feto não tem chance de vida extra-uterina. Apesar de o Supremo Tribunal Federal brasileiro evitar termos morais e religiosos nos julgamentos e audiências públicas, é clara a aplicação dos conceitos religiosos ensinados através da Igreja Católica Romana.
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fonte:Blog - http://abortoconscientesim.blogspot.com/2009/07/argumentos-juridicos-sobre-casos-de.html

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